CARTA DE PESQUEIRA DO COSEMS PERNAMBUCO
Os Secretários e as Secretárias
Municipais de Saúde do Estado de Pernambuco reunidos no VII Congresso de Secretarias
Municipais de Saúde de PE e 62º Encontro de Secretários Municipais de Saúde de
Pernambuco, no período de 15 a 17 de Abril de 2015, na cidade de Pesqueira,
unidos e fortalecidos pelos ideais de solidariedade, cidadania, honestidade e
compromisso com o serviço público, com os princípios democráticos e
reconhecendo e preservando a história de luta do COSEMS-PE e CONASEMS, reiteram
o compromisso com a saúde de todos os brasileiros, em particular os
pernambucanos, e com a defesa e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS tem resultados a comemorar e
também muitos desafios a serem vencidos. Os serviços e ações do SUS estão
presentes na vida de todos os brasileiros: na avaliação da qualidade dos
alimentos, vacinações, controle de epidemias e endemias, cuidados desde ações
básicas de prevenção, proteção e recuperação de saúde até a assistência de alta
complexidade como os transplantes de órgãos.
Reconhecendo os avanços promovidos
pela inclusão de todos os brasileiros em um sistema público de atenção integral
em tão pouco tempo, não omitimos suas fragilidades com vazios assistenciais,
deficiências nos padrões de assistência e de gestão. Situações decorrentes de
múltiplos fatores, mas principalmente a falta de financiamento adequado. E
disso se aproveitam poderosos grupos econômicos com apoio de parte da grande mídia
- interessados em extrair lucros das doenças, pacientes e profissionais de
saúde - para promover ardilosas manobras visando à desqualificação do SUS e
pressão política no Parlamento e Executivo para conseguir o seu desmonte por
asfixia financeira.
Nesse sentido, e através desta
Carta de Pesqueira, os secretários e secretárias municipais de saúde,
apresentam um conjunto de preocupações, desafios e compromissos para que o SUS
seja de fato o que a Constituição Federal determina e o povo tem direito e quer:
um sistema público de saúde qualificado, universal, integral e equânime e sob o
controle popular.
No
momento atual os secretários e as secretárias municipais de saúde de Pernambuco
apontam como problemas graves, motivo de preocupações, que pode levar o SUS à estagnação,
definhar ou a sua destruição:
1.
Subfinanciamento:
o SUS desde os seus primórdios, em 1989, vem sendo submetido a um crônico
subfinanciamento da União. Os municípios evitaram a sua inviabilização
aumentando a sua participação além do que determina a legislação (R$ 80
bilhões a mais nos últimos cinco anos). No ano
de 2015, lamentavelmente, foi aprovada pelo Congresso Nacional a EC 86, que
dispõe sobre o orçamento impositivo e estabelece como percentual de recursos da
União vinculados à saúde, 15% das receitas correntes líquidas em cinco anos.
Isso agrava o subfinanciamento não só pela diminuição dos recursos federais,
mas também pela criação da emenda impositiva que tira da saúde o que era para
ser transferido automaticamente para os orçamentos municipais e estaduais, ficando
a depender de emendas parlamentares, e elimina a possibilidade de acréscimo ao
orçamento da saúde que viria do montante de 25% das receitas oriundas da
exploração do Pré-Sal.
2.
Projeto de Emenda Constitucional 451: tramita atualmente no Congresso Nacional um projeto
que pode vir a ser o golpe fatal contra o SUS, caso venha a ser aprovado. É a
PEC 451, de 2014, de autoria do deputado Eduardo Cunha, alterando o art. 7º da
Constituição, que obriga todos os empregadores brasileiros a garantirem aos
seus empregados serviços de assistência curativa à saúde, excetuado os
trabalhadores domésticos. Isso significa isenções de contribuições para
empresários, fortalecimento dos planos privados de saúde, redução de recursos
financeiros ao SUS, fragmentação da assistência integral à saúde ao reduzir
saúde à assistência curativa, além de ferir o princípio da igualdade,
promovendo distinção entre cidadãos trabalhadores com vínculo de emprego, sem
vinculo, aposentados, empregados domésticos. É um retrocesso inominável ao
direito à saúde, uma volta à segmentação social da época da ditadura.
3.
Decreto Legislativo 33/2015: apresentado pelos senadores Cassio Cunha Lima e
Aloysio Nunes, tem como objetivo invalidar o termo de cooperação firmado
pelo Ministério da Saúde com a Organização Pan-Americana da Saúde (
OPAS), que garante a
participação de médicos cubanos no Programa Mais Médicos. Atende apenas a
interesses corporativos e ameaça
à continuidade
do Programa.
4.
O projeto de lei 4330/04 que tramita na Câmara dos Deputados alterando as
relações de trabalho com terceirizações nas atividades fins, seja de
mercadorias ou de bens. Isto afetará o desempenho dos serviços de saúde,
precarizará ainda mais o processo de trabalho e aumento da ocorrência de
acidentes e mortes no trabalho.
5.
Persistente centralismo e burocratismo do Ministério
da Saúde: lógica vertical dos
programas que não dialogam com os Planos Municipais de Saúde, proliferação de portarias que desrespeitam o
planejamento ascendente e participativo do SUS,
algumas ferindo os princípios da autonomia e comando único municipal.
6.
Procedimento de
rateio dos recursos financeiros do SUS
entre os entes federativos ainda praticados à revelia de normas legais em
vigência, a Lei Complementar 141/2012.
7.
A
exagerada interferência de decisões judiciais que determina incorporação de
novas tecnologias, procedimentos e insumos em saúde desconsiderando as
necessidades individuais e coletivas estabelecidas nos Planos Municipais, os limites orçamentários, a integralidade das ações
de saúde, os processos de regulação da rede e as responsabilidades específicas
de cada Ente Federativo dentro do SUS, provocando graves distorções no
planejamento e na execução orçamentária.
A gestão municipal da saúde é sem
duvida alguma a maior responsável pela sustentação do Sistema Único de Saúde.
No cenário atual de subfinanciamento os municípios assumem a responsabilidade
pelo funcionamento da atenção básica, arcando com mais de 60% do custo total de
uma equipe de saúde da família. Na implementação da integralidade da atenção o
município investe, com recursos próprios, na compra de Serviços Especializados
e Serviço de Apoio, Diagnóstico e Terapêutica (SADT), cujos valores são
diferenciados da tabela SUS onerando os cofres das prefeituras. Essa é uma
alternativa para fixar no território a rede complementar, considerando a ainda incipiente
regionalização da atenção à saúde. No território municipal a saúde está
avançando de forma bastante laboriosa e criativa pelas Secretarias Municipais
de Saúde que buscam garantir com muito esforço serviços importantes como SAMU,
NASF, SAD, Academia da Saúde dentre outros, o que reforça a necessidade de um
apoio maior dos entes estadual e federal da saúde.
Secretários
e secretárias municipais de saúde consideram como desafios atuais que são
assumidos como prioridade para a superação e melhoria da saúde dos munícipes:
1.
Ampliar
e qualificar a Atenção Básica, principal
responsabilidade das secretarias municipais, para ser efetivamente a ordenadora
do sistema e garantir a resolutividade de 80% dos problemas de saúde. Para isso
é necessário apoio técnico e financeiro dos governos federal e estadual para
sua estruturação e pessoal qualificado e valorizado. Neste sentido, a SES deve
ampliar os recursos financeiros de cofinanciamento da atenção básica e rever os
critérios de repasse. A Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa Mais
Médicos representam avanços a serem preservados e aperfeiçoados.
2.
Em parceria com municípios vizinhos
e SES construir, desenvolver ou ampliar
redes de cuidados integrais à saúde regionais com os diversos níveis de
complexidade, com responsabilidades bem definida. Nesse sentido é urgente a
retomada da discussão da PGASS (Programação Geral de Ações e Serviços de Saúde)
no estado de Pernambuco e concretização do COAP (Contrato Organizativo da Ação
Pública), com recursos financeiros adequados.
3.
Garantir
por parte dos governos federal e estadual o repasse de recursos financeiros fundo
a fundo de forma automática, regular, com data precisa, devendo o rateio
obedecer a Lei Complementar 141, arts. 17, 18 e 19, pondo fim a repasses
fragmentados que não respeitam a integralidade dos Planos Municipais de Saúde e
as necessidades da população considerando as dimensões epidemiológicas,
demográficas, geográficas, socioeconômicas e a organização dos serviços.
4.
Fortalecer
as ações intersetoriais com vistas à atuação nos determinantes sociais da
saúde para a garantia de uma sociedade saudável com redução das desigualdades
sociais, exclusões, mobilidade urbana, habitação, saneamento, controle da
violência e de acidentes de trânsito, especialmente por motocicletas.
5.
Aperfeiçoar
os processos de gestão do trabalho para superação das múltiplas formas de
contratos e dos vínculos trabalhistas precários com realização de concursos
públicos, planos de carreira e educação permanente para os trabalhadores. Para
isso, faz-se necessário pacto de financiamento tripartite e exclusão da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) dos limites de gastos com pessoal para as ações de saúde.
Alterações de carga horária e valores de remuneração de categorias
profissionais que venham a ser regidos por leis federais devem vir acompanhadas
de indicativo de fontes de financiamento do SUS.
6.
Utilizar
as diretrizes da Educação Popular em Saúde como ferramenta de humanização,
amorosidade, diálogo, participação e emancipação social em todos os níveis de
assistência do SUS.
7.
Dispor
para a população assistência farmacêutica efetiva do componente básico e garantia
por parte da SES de farmácias dos componentes estratégico e especializado o
mais próximo dos usuários. Regularizar e rever critérios do repasse da
contrapartida estadual Componente Básico que deverá
ser feita em recursos financeiros aos municípios com repasses regulares e
automáticos, na modalidade fundo a fundo, tomando como exemplo a experiência do
repasse financeiro do ano de 2014.
8.
Pactuar com a
SES correções ou implementações imediatas:
a)
REGULAÇÃO
- Estruturar o complexo regulador das Macrorregionais,
Regionais e Microrregionais,
integrando e apoiando os territórios (municípios)
e definindo fluxos assistenciais das redes de atenção prioritárias e qualificar
a Central de Leitos;
b)
REDES
DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE – promover um salto no tempo e entrar
definitivamente no século XXI, com a implantação do COAP e PGASS, promovendo
investimentos para expandir e qualificar as redes de assistência à saúde
ordenada a partir da Atenção Básica;
c)
UPAE – Reformular a regra de
financiamento da UPAE, de responsabilidade estadual, eximindo os municípios de
qualquer contra partida das Secretarias Municipais de Saúde; Pactuar anualmente
com os municípios na CIR as especialidades e exames ofertados nesse equipamento;
d)
SAMU
– regularização do repasse estadual e uma ação conjunta COSEMS e SES, junto ao
Ministério da Saúde para regularização do financiamento federal;
e)
SAÚDE MENTAL
- 1. Montar equipes multiprofissionais qualificadas que trabalhem de
forma intersetorial. 2. Implementar rede acolhedora transversal e cuidadora que
garanta os direitos humanos e a inclusão social. 3. Responsabilidade do
financiamento tripartite para efetivação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS); 4. Possibilitar debates sobre arranjos
institucionais para implantação da RAPS;
f)
REDE
DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA – 1. Regularização do repasse
estadual para o custeio do SAMU. 2. A Secretaria Estadual de Saúde deve ampliar
e qualificar a rede de referência, atendendo ao desenho da regionalização das
redes de urgência e emergência. 3. Ação conjunta COSEMS e Secretaria Estadual
de Saúde junto ao Ministério da Saúde para ampliação e regularização do
financiamento federal.
COSEMS forte para
avançar nas conquistas:
Para estimular e ampliar a participação dos secretários e
secretárias de saúde nas decisões do COSEMS: 1. Manter a trimestralidade das
Assembleias Gerais de forma descentralizada nas regionais; 2. Maior
protagonismo do COSEMS na formulação da pauta de discussão das reuniões da CIB.
As propostas de pauta e posicionamento da CIB ser definida em reuniões da
Diretoria ampliada, aberta à participação de todos os secretários interessados
em contribuir, tendo como suporte as análises da Cãmara Técnica do COSEMS; 3. Aperfeiçoar
os métodos de comunicação das ações e deliberações do COSEMS. 4. Promover reuniões regionais para discussão
de questões específicas e pauta da CIR sob a responsabilidade dos Vice Presidentes
regionais do COSEMS com apoio da Diretoria Executiva; 5. Atualização do
Estatuto do COSEMS a ser definido em Assembleia Geral com esta finalidade; 6. Partilhar efetivamente a
responsabilização da condução do processo de gestão municipal da saúde
aproximando o COSEMS PE dos prefeitos do estado de Pernambuco através da AMUPE.
Compromissos de luta
para o fortalecimento e avanço do SUS:
No momento atual os secretários e
secretárias municipais de saúde de Pernambuco diante das ameaças que pairam
contra o SUS se sentem no dever cívico de mobilizar toda a sociedade em defesa
da mais avançada política pública de saúde, com as seguintes propostas:
1. Viabilizar a aprovação pelo Congresso Nacional
da vinculação do percentual de 10% das Receitas Correntes Brutas da União para
a saúde, conforme defendido pelo Movimento “Saúde + 10”, que apresentou projeto
de lei de iniciativa popular com mais de 2 milhões de assinaturas;
2.
Lutar por
uma reforma tributária progressiva, equânime, que garanta justiça fiscal para
os municípios, configurando um novo pacto federativo.
Taxação das grandes fortunas como fonte de financiamento adicional ao SUS;
3. Lutar contra a aprovação da PEC 451 de 2014,
considerando que a mesma é arma fatal ao SUS;
4. Pela rejeição no Senado Federal do Projeto de Decreto Legislativo
33/2015 que cancela o termo de cooperação firmado pelo Ministério da Saúde com
a Organização Pan-Americana da Saúde (
OPAS), inviabilizando a participação de médicos cubanos no Programa
Mais Médicos;
5. Defender a retomada do crescimento econômico e
do desenvolvimento social, o aperfeiçoamento da gestão pública e do
equilíbrio fiscal que não comprometa o financiamento de políticas públicas
sociais, especialmente saúde, educação, promoção social, redução das desigualdades
e iniquidades regionais e investimentos estratégicos. Construção de agendas
propositivas que apontem para mais e melhores serviços públicos, com gestões
cada vez mais transparentes, preservando e aprimorando avanços sociais na
defesa intransigente do Estado Democrático de Direito;
6. Contribuir para o aperfeiçoamento
da participação popular na gestão pública;
7. Participar
efetivamente da XV Conferência Nacional de Saúde, e da VIII Conferência
Estadual de Saúde de Pernambuco e suas etapas municipais, contribuindo para a
efetivação do controle social e participação popular, garantindo assim o
fortalecimento e avanços do SUS.
Pesqueira,
17 de abril de 2015.